Lessandra
da Silva
Socióloga,
Jornalista e Mestre em Administração Pública
pela Escola Brasileira de Administração Pública,
da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EBAPE).
CEARÁ:CONSELHOS
COMUNITÁRIOS DE
DEFESA SOCIAL
Um
dos mais graves problemas hoje no Brasil refere-se ao aumento
significativo
e generalizado da violência. Estudiosos e especialistas no assunto
reconhecem que as ações nessa área devem partir da construção
de uma nova
concepção de segurança pública, que tradicionalmente tem sido
tratada
somente como uma questão de polícia. Entretanto, as experiências
evidenciam
que nem todas as questões de segurança pública são problemas
exclusivamente
policiais. A
promoção de uma segurança pública democrática
requer a ação de vários
atores sociais
e depende da articulação de políticas sociais
implementadas em parceria entre governos estaduais e municipais e
que envolvam a participação dos cidadãos.
Essa
mudança na concepção de segurança pública teve início, no
Ceará,
a partir de 1985, por intermédio da Polícia Militar, que criou os
Conselhos
de Segurança em alguns bairros de Fortaleza. Mas a medida não
trouxe os
resultados esperados, pois esse canal tornou-se espaço apenas para
a denúncia de ações envolvendo marginais e, algumas vezes,
até policiais. Isso colocava
em risco os cidadãos que faziam a denúncia, afastando-os ainda
mais dos policiais. Considerava-se que a segurança pública era de
competência
exclusiva da polícia e os cidadãos observavam apenas o efeito
repressivo
à violência. Portanto, era necessário agir de forma mais ampla e
de maneira
preventiva, focalizando a "defesa social".
Pensando
nisso, o governo do Ceará, por meio da Secretaria Estadual de
Segurança Pública e Defesa da Cidadania (SSPDC), criada em 1997,
estabeleceu
novas diretrizes fundamentadas principalmente em: integração das
polícias,
mudança de comportamento do policial, inovação administrativa e
tecnológica e parceria entre a polícia e a comunidade.
Para
o cumprimento dessas diretrizes várias ações foram tomadas,
entre elas a criação da Diretoria da Cidadania, dentro do
organograma institucional da Secretaria. A Diretoria tem a
missão de realizar a integração entre os
diversos segmentos da comunidade e órgãos da Segurança Pública
do Estado do Ceará, sendo também responsável pela formação,
acompanhamento
e apoio aos Conselhos Comunitários de Defesa Social do Estado do
Ceará(CCDS).
O
Programa CCDS vem sendo desenvolvido desde fins da década de 90,
quando um decreto garantiu sua implementação em todos os
municípios cearenses, estipulando critérios para sua gestão.
O principal objetivo do Programa é o envolvimento das comunidades
na construção de uma sociedade
solidária e pacífica. A partir de ações integradas na área
social, o Programa
soma esforços e divide responsabilidades para o aprimora mento da
segurança
pública e para o combate às causas da violência. Tem como
objetivo específico
aproximar a sociedade civil e os órgãos de segurança pública,
revertendo
uma relação de desconfiança que sempre permeou a relação entre
esses atores
sociais.
O
principal desafio é consolidar uma mudança de paradigma, no qual o
papel da polícia seja transformado por uma mentalidade na qual a
formação
do policial esteja orientada para a focalização na prevenção da
violência, na
dimensão pedagógica. Ê importante que esses profissionais se
reconheçam
como agentes promotores da paz. Da mesma forma, a expectativa é de
que a
comunidade também participe desse processo como co-produtora da
harmonia
social, a partir da capacitação do cidadão para elaborar,
implementar
e fiscalizar políticas públicas voltadas à prevenção da
violência.
O
Conselho Comunitário de Defesa Social é uma instituição formada
pelos mais diversos segmentos representativos da comunidade, de um
município ou
bairro. O processo de formação desses conselhos é democrático,
sendo permeado por uma ampla divulgação e sensibilização
da população
local, que elege os conselheiros para atuar
na promoção
da "Defesa Social",
por meio de
ações e projetos ligados às políticas públicas.
OS
RESULTADOS
DO PROGRAMA
O
Programa CCDS tem alcançado resultados importantes e extremamente
significativos, que integram ações na área econômica, ambiental,
social e
cultural como forma de prevenção e combate à violência e que
alteram a
relação entre a instituição policial e a comunidade. Até agosto
de 2002, já haviam
sido criados cerca de 850 Conselhos (envolvendo diretamente 15.000
mil
"voluntários da paz"), que se encontram espalhados pelos
184 municípios do Estado, com ramificações que abrangem
bairros, distritos, vilas, povoados,
litoral, serra e sertão do Ceará.
Cada
município tem pelo menos um Conselho (sede) que, posteriormente,
de acordo com as especificidades locais, pode disseminar-se pelos
bairros com a
designação de Conselhos-Satélites.
Foram criados ainda, por iniciativa da própria comunidade, apoiados
pela Diretoria da Cidadania da Secretaria de Segurança Pública e
Defesa da Cidadania, os CCDS Juvenis, com
o objetivo de engajar os jovens em ações que buscam a promoção
de uma
"cultura da paz" e da solidariedade. Atualmente, existem
cerca de 300 jovens
envolvidos diretamente com os Conselhos, comprometidos com o
desenvolvimento
de estratégias e operações voltadas para a inserção do
adolescente
num ambiente sociocultural que o mantenha afastado das drogas e da
violência.
Cada
Conselho atua de forma específica, de acordo com as circunstâncias
locais. Por exemplo: em Caucaia, município situado na Grande
Fortaleza,
os jovens do CCDS formaram um grupo musical designado "Fazedores
da Paz",
compondo e cantando músicas que promovam a paz. Num outro bairro,
com alta incidência de pichações em prédios, praças públicas e
monumentos,
os conselheiros conseguiram reunir os jovens e canalizar essa
capacidade
para as artes. *.
Existem
vários projetos desenvolvidos pelos CCDS para o público
adolescente:
cursos de música, teatro, artesanato, torneios desportivos,
capoeira,
cursos de iniciação ao mercado de trabalho, cursos de informática,
cursos de
línguas, seminários, oficinas, entre outros. Um aspecto
interessante é que os próprios jovens são os formuladores e
executores dos projetos implementados,
o que contribui para que eles desenvolvam habilidades gerenciais e
para que tenham autonomia e responsabilidade na consecução das
ações.
Além
disso, outras ações voltadas a esse público vêm sendo
desempenhadas
em articulação com outros órgãos. A Secretaria de Segurança
Pública
e Defesa da Cidadania, por meio da Diretoria de Cidadania, em
parceria com
a Secretaria Estadual de Educação, a Associação de Escolas
Particulares do
Ceará e a Secretaria Estadual de Cultura e Desporto, promoveu em
2002 o III
Encontro Estadual:
"Estudantes pensando Segurança Pública". Trata-se
de um concurso artístico, com participação dos estudantes de
escolas públicas e particulares dos municípios cearenses, que
tem por objetivo envolver
os jovens na reflexão acerca da segurança pública.
Os
estudantes puderam inscrever seus trabalhos em duas grandes áreas:
Literatura, com a temática: "Um
mundo sem violência: vamos juntar forças
e dividir responsabilidades"; e Artes Visuais, cujo tema é: "A
segurança
que queremos, a paz tão encantada".
O
Programa também realiza Encontros Regionais entre conselheiros de
municípios próximos. Além disso, promove anualmente o Encontro
Estadual dos CCDS, que tem por objetivo reunir e integrar os
conselheiros de todos os municípios do Ceará para trocar
experiências, informações, avaliar as ações, divulgar os
projetos executados, elaborar novas estratégias, firmar acordos,
compromissos e metas para o ano seguinte3,
visando a melhoria da segurança
pública e o combate à violência.
Trata-se
de debater acerca da "Segurança Pública que temos e a que
queremos". O encontro tem um caráter interativo e possibilita
a discussão integrada
de políticas públicas, pois reúne representantes de vários
municípios.
Esse evento integra a comunidade, as autoridades e instituições da
segurança
pública e outros órgãos operacionais, representantes dos poderes
executivo e
legislativo municipal. Na ocasião, o Secretário Estadual de
Segurança
Pública apresenta os investimentos feitos pelo Estado na área,
prestando
contas à população. Além disso, outros órgãos são convocados
para divulgar
os programas que vem implementando. Até agosto de 2002, já haviam
sido realizados quatro grandes encontros estaduais.
Os
CCDS também promovem a Caravana da Defesa Social, onde são
realizadas
atividades de educação preventiva às drogas e à violência.
Geralmente, essas atividades desenvolvem-se nas escolas, com o
intuito de reunir pais
e filhos. A Caravana da Defesa Social é realizada pela Secretaria e
pelos Conselhos,
envolvendo as Polícias Civil, Militar e o Corpo de Bombeiros, além
de outros órgãos como a Secretaria de Educação (SEDUC),
Secretaria de
Trabalho e Ação Social (SETAS), Secretaria Estadual de Ouvidoria
Geral e Meio
Ambiente, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e
Conselho
Tutelar.
Além
de atuar em campanhas preventivas nas escolas, a Caravana envolve
uma ação de repressão ao tráfico de drogas, articulada com
operações executadas nos bairros, como forma de identificar pontos
de vendas de drogas.
Os CCDS também foram incluídos num vídeo-educativo, realizado
pela
Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), como experiência exitosa de
prevenção
ao uso indevido de drogas lícitas e ilícitas.
AS
PARCERIAS
E REALIZAÇÕES
DOS
CONSELHOS
COMUNITÁRIOS
DE
DEFESA
SOCIAL:
AS
ESPECIFICIDADES
LOCAIS
O
novo modelo de Segurança Pública do Ceará, que vem atuando
principalmente
na prevenção da violência, criando mecanismos de participação
cidadã na gestão e na articulação de políticas públicas,
fundamenta-se
em sólidas parcerias que vêm sendo definidas e desenhadas ao longo
desse processo.
Uma
concepção mais realista da segurança pública reconhece a
necessidade
de se ultrapassar o campo exclusivo das forças policiais no combate
a violência. Trata-se de uma visão sistémica, integrada e aberta
dos problemas da segurança, por meio do envolvimento na gestão da
segurança da comunidade
e de outras agências públicas e civis que prestam serviços
essenciais à população.
A eficácia
na segurança pública depende de ações extra-policiais, tais
como o ambiente comunitário e a oferta de serviços básicos como
iluminação,
saneamento, coleta regular de lixo, ocupação ordenada do solo
urbano,
amplas áreas de lazer e garantias sociais que promovam à
cidadania.
Para
tanto, não se pode prescindir de estabelecer parcerias e acordos de
cooperação entre instâncias públicas estaduais e municipais,
instituições privadas
e organizações não governamentais sem fins-lucrativos.
Nesse
sentido, percebe-se uma forte presença dos CCDS em todas essas
frentes. As parcerias são estabelecidas com os governos do Estado e
dos
municípios, organizações não governamentais, associações
comunitárias,
conselhos setoriais locais, empresários, Sebrae, órgãos do Poder
Legislativo e
do Judiciário. Várias ações podem ser destacadas na atuação
dos
Conselhos, mas suas práticas não ocorrem de forma homogénea. Cada
CCDS desenvolve suas atividades de acordo com as características
socioculturais
dos bairros nos quais atuam, a partir de suas próprias demandas
e potencialidades.
Os
espaços onde funcionam os CCDS também se orienta por essa
diversidade.
Alguns deles construíram, com recursos da comunidade, uma estrutura
que conta com biblioteca para atender à comunidade, amplas salas
destinadas às
oficinas artísticas e de formação profissional, creches
(geralmente
em parceria com a Secretaria Estadual de Ação Social - SETAS), e
uma área
reservada para o atendimento jurídico à comunidade, realizado por
advogados voluntários. Outros alugaram um local e conseguem
mantê-lo a
partir de parcerias firmadas com empresas, comerciantes e com
doações dos
próprios conselheiros. Alguns Conselhos funcionam em salas cedidas
pelo poder
público estadual e municipal. Muitos outros ainda não dispõem de
local para realização de seus encontros, que ocorrem em espaços
públicos, como praças ou "sentados à sombra de uma
árvore".
O
atendimento às necessidades locais resulta num amplo leque de
alternativas
de ações orquestradas
pelos CCDS nas mais diversas áreas de atuação.
Alguns criaram o "Dia da Ação Cidadã", um projeto que
leva às comunidades
serviços como saúde preventiva, assistência jurídica, emissão
de documentos,
eventos ligados à prevenção de drogas, divulgados a partir de
peças teatrais escritas pelos adolescentes, corte de cabelo, entre
outros. Em Juazeiro
do Norte, por exemplo, esse projeto ocorre mensalmente, de forma
itinerante,
pelos bairros do município.
Os
CCDS também promovem a cultura e o esporte, quer por meio de
oficinas de
dança, teatro, música, capoeira, vôlei, futebol etc, ou por meio
de eventos
como os "Jogos Comunitários", para incentivar a
integração entre
os bairros. Por reconhecer o caráter amplo da questão relacionada
à Segurança
Pública, tais como o acesso a serviços básicos, os CCDS também
encaminham
ofícios aos órgãos competentes, solicitando obras para a
comunidade, como saneamento, iluminação e água.
Entre
as realizações, observam-se também atuações na área da saúde,
na qual os cidadãos, organizados no CCDS, conseguem ambulância e
doação
de equipamentos hospitalares. Dessa forma, contribuem para que sejam
abertas novas
unidades de atendimento à saúde, contando, na maior parte das
vezes, com a adesão voluntária de médicos e enfermeiros.
Destaca-se,
entre as parcerias realizadas pelos CCDS, o papel estratégico
destinado à educação. A escola tem servido como um espaço
especial para muitas
atividades ligadas à prevenção da violência. A Polícia Militar,
por meio do
Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência
(PRO-ERD)5,
com apoio do CCDS, tem desenvolvido nas escolas um amplo programa
de prevenção às drogas.
Em
Sobral, por exemplo, em agosto de 2002, três
policiais,
especialmente
preparados para essa atividade, estavam envolvidos com oficinas
lúdicas,
lidando com 760 crianças e adolescentes nas escolas, com a temática
da violência
e prevenção às drogas. Além disso, conforme citado
anteriormente,
todos os anos tem sido realizado concurso para que os estudantes do
ensino médio
reflitam sobre a segurança pública.
Alguns
conflitos, incivilidades e desordens que geralmente desembocam
nos órgãos policiais têm sido resolvidos nas sedes dos próprios
CCDS, principalmente
no que se refere a desentendimentos familiares e à ocupação de
terra. Os conselheiros reúnem pais e filhos, maridos e esposas, e
servem como mediadores na resolução de conflitos. Quando o jovem
está envolvido
com gangues, conselheiros do CCDS e delegados reúnem-se com os
familiares e
buscam soluções. Geralmente os conselheiros fazem acompanhamento
do desenvolvimento desses jovens na escola, encaminhando-os para
cursos profissionalizantes, oficinas de dança, capoeira, buscando
aproximá-los
de outros adolescentes envolvidos com o CCDS juvenil, comprometidos
com a disseminação da "cultura da paz".
No
que concerne à geração de emprego e renda, alguns CCDS possuem
núcleos gestores que buscam a promoção de emprego, por meio de
contatos com empresas e encaminhamento para vagas disponíveis no
mercado, servindo como uma central de informações. Além disso,
algumas obras realizadas na comunidade procuram envolver as
pessoas desempregadas como forma
de gerar renda. Os CCDS também promovem cursos de capacitação
profissional, arrecadação de alimentos e distribuição de bolsas
alimentícias para
famílias em risco.
Alguns
CCDS criaram o que chamam de "Amigos
do Prato":
distribuição
diária de refeições em comunidades extremamente carentes. Essa
ação conta
ainda com dicas nutricionais, por meio do reaproveitamento de
alimentos que geralmente não são utilizados em sua plenitude.
Entre
outras realizações dos Conselhos destacam-se: promoções de
campanhas
sobre lixo e esgoto, doação de sangue, conscientização sobre
direitos e
deveres do cidadão, direitos da mulher, distribuição de cartilhas
para orientar
a população quanto à prevenção de assaltos à residência e ao
comércio e mutirões de limpeza e de construção de casas. São
realizadas também caminhadas pela paz. Os CCDS exercem ainda
um papel fiscalizador nas políticas públicas, não apenas na
área de segurança. Um exemplo é o controle que fazem do Programa
Bolsa-Escola.
Os
CCDS também participam de medidas mais diretamente voltadas para os
órgãos específicos da segurança pública. Promovem encontros
envolvendo
comerciantes, conselheiros e policiais para a discussão de
estratégias
de prevenção à criminalidade local. Identificam, em algumas
circunstâncias,
pontos onde ocorre maior incidência de violência e informam aos
policiais.
Algumas vezes solicitam a implantação de postos policiais e o
aumento
de seu efetivo.
Em
relação a essa área específica de atuação dos Conselhos
Comunitários
de Defesa Social diretamente com os órgãos de segurança,
destaca-se o engajamento
da comunidade no atendimento de necessidades básicas e imediatas
para a prevenção e combate à violência. Em alguns municípios, a
comunidade,
por meio dos CCDS, organizou-se para que a infra-estrutura dos
departamentos e unidades da polícia tivessem melhor qualidade para
uma atuação mais eficaz. Nesse sentido, os Conselhos conseguiram
doações de computadores, obtiveram recursos destinados à compra
de motos para os policiais que arrecadaram fundos para a melhoria
das delegacias
Acopiara, um município
situado a 360 km de Fortaleza, é um exemplo dessa mobilização
para melhorar as condições dos órgãos de segurança pública. O
CCDS local se uniu à Prefeitura e aos promotores públicos para
construir uma delegacia de polícia mais moderna. Anteriormente, a
delegacia estava situada num prédio alugado, gerando ônus de R$
500,00 mensais ao Estado. Já o posto policial, sob responsabilidade
da Prefeitura, acumulava aluguéis atrasados. O CCDS promoveu
sorteios e arrecadação de verbas e de material de construção
entre a comunidade local. Tais eventos possibilitaram arrecadar R$
74 mil. A Prefeitura cedeu o terreno e destinou R$ 54mil para a
compra de equipamentos. Se a delegacia fosse construída com
recursos públicos, a previsão de custos estimada era de cerca de
R$ 500 mil. A nova delegacia foi erguida com a mão-de-obra dos
presos da cadeia pública, que foram remunerados e tiveram as penas
revistas. A Prefeitura destina R$ 4 mil mensais para auxiliar a
Polícia Militar e Policia Civil da cidade com despesas com pneus,
gasolina, alimentação e pagamentos de funcionários de serviços
gerais. Esses recursos para a manutenção da delegacia são
gerenciados pelos conselheiros do CCDS.
Em Camocim,
município situado no litoral cearense, uma ação desenvolvida
pelo CCDS local também demonstra a diversidade dos projetos
implementados. Como a cidade não oferecia muitas oportunidades de
trabalho, vários homens tiveram que se deslocar para outras regiões
a procura de emprego. Muitos nunca mais retornaram, abandonando suas
famílias, o que resultou em prostituição de mulheres e crianças.
O CCDS aproximou-se desse grupo e promoveu cursos de costura.
Atualmente essas mulheres se organizaram em uma cooperativa e estão
exportando seus trabalhos. O conselho local também tem buscado
desenvolver um planejamento municipal que impulsione a
potencialidade turística da região. Muitas crianças e
adolescentes que vivem na rua estão sob acompanhamento dos
conselheiros, responsável pela realização de cursos de surf e de
guia turística mirim.
ASPECTOS
INOVADORES
O
programa apresenta um amplo leque de dimensões inovadoras,
principalmente porque contempla a proposta de integrar a política
de segurança pública às políticas sociais e ações
comunitárias. Identifica-se uma mudança
de foco, pois a noção de segurança pública se expande,
incorporando
novos atores. Mulheres, crianças, adolescentes, detentos, famílias
e pessoas
em risco social tornam-se alvos e protagonistas de projetos
específicos voltados para a proteção de direitos e a
conscientização quanto aos deveres
da cidadania.
O
novo modelo de Segurança Pública do Estado do Ceará, parte dele
representado
pelo programa CCDS, é movido por princípios e pressupostos
distintos
daqueles que tem caracterizado as políticas de segurança
tradicionais,
concentradas exclusivamente na ação de polícia. Portanto,
torna-se inovador
por assinalar a importância da participação da sociedade civil na
esfera da
segurança pública e por ampliar o escopo do que se tem
considerado, tradicionalmente,
como segurança pública. Além disso, o Programa também
inova ao definir novos problemas e apontar novos métodos e
abordagens para enfrentá-los, sem perder a referência do
respeito aos direitos humanos mas, ao contrário, ressaltando
sua importância.
A
integração alcançada pelas ações desenvolvidas no âmbito do
CCDS ocorre
em vários níveis e esferas. O Programa tem sido extremamente bem
sucedido na
integração entre as Polícias Militar, Civil e Corpo de
Bombeiros,
o que representa um grande desafio nas políticas de segurança de
outras regiões do Brasil.
O
CCDS possibilita a colaboração intersetorial entre agências
estatais e civis,
pois cada município dispõe de vários conselhos setoriais, seja na
área de
saúde, educação ou meio ambiente. Assegura um espaço que
possibilita uma
visão sistémica desses diversos problemas, contribuindo para uma
alocação mais eficiente e eficaz de políticas e ações públicas.
O
Programa envolve ainda uma articulação intergovernamental
horizontal,
por meio dos Encontros Regionais e do Encontro Estadual dos CCDS,
nos quais são
debatidos os principais problemas enfrentados pelos Conselhos
Comunitários de cada município, as formas como foram enfrentados e
as metas para
o ano seguinte.
Especialmente
inovadora é a mudança nas formas de gestão das políticas
desenvolvidas. Nesse sentido, destaca-se a articulação vertical,
envolvendo
os governos estadual e municipal, pois algumas prefeituras têm
atuado como
parceiras do estado no combate à violência. Tradicionalmente a
questão da
segurança pública é reivindicada apenas nas esferas do governo
federal e estadual, instâncias responsáveis pelas forças armadas
e policiais.
No
caso do Ceará, percebe-se a atuação do poder municipal e de
outras instituições
ligadas à sociedade civil.
Conforme
demonstram alguns estudos, a ausência ou fragilidade das interações
regulares entre polícia e administração municipal é um dos
fato-res que limita a promoção de políticas de segurança
pública. Os
CCDS atuam como impulsionadores dessa interatividade,
aproximando as polícias do poder
municipal e da população.
Observa-se
que a "integração" envolvida nessa experiência
significa mais do
que articular as diversas agências responsáveis por serviços
públicos essenciais.
Trata-se de romper o isolamento no qual por várias décadas
permaneceram
os órgãos de segurança pública, envolvendo instituições
policiais e a
população em ações conjuntas para promoção da cidadania,
preservação de direitos
e combate à violência, estrategicamente articulados por um
programa voltado para a inclusão social.
A
NOVA CONCEPÇÃO DE SEGURANÇA
PÚBLICA
E
OS IMPACTOS SOBRE
A CIDADANIA
O
novo modelo de policiamento pressupunha, ao contrário do anterior,
flexibilidade organizacional, descentralização, e abertura ao
trabalho
conjunto com as comunidades e com outros órgãos de serviço
público,
implicando ampla reformulação de mentalidades, estruturas e
rotinas
institucionais.
Esse
novo modelo de segurança pública e a implantação dos CCDS
inicialmente provocaram fortes resistências tanto dentro das
corporações policiais
- por implicarem mudanças nas formas de exercício da autoridade e
em práticas há muito arraigadas - quanto da parte de setores da
população civil
que clamavam por repressão pura e simples. Os policiais viam
negativamente
a aproximação*com a comunidade, pois consideravam que os atores
sociais não
estavam tecnicamente preparados para a problemática e se tornariam
uma "vigília" constante, cobrando ações e pouco
contribuindo para a rotina
policial.
Esse
comportamento contrário à atuação do CCDS ainda existe, mas
muitos
avanços podem ser apontados. A própria integração entre as
polícias não foi tarefa de fácil realização, mas os resultados
já se evidenciam. O impacto
sobre a cidadania é visível por meio de práticas que resultaram
numa nova
mentalidade na relação entre os agentes da segurança pública e
os cidadãos.
Atualmente,
policiais civis, militares, bombeiros, inspetores e delegados
se engajam voluntariamente nos CCDS. Observa-se também um aumento
crescente na credibilidade e confiança da população nos órgãos
de segurança
pública. A atuação se faz preventivamente e também sobre grupos
marginalizados:
presidiários, prostitutas e jovens delinquentes.
Alguns
depoimentos tratam frequentemente da eliminação de gangues, a
partir da atuação dos Conselhos. O presidente de um dos Conselhos
contou à autora que em seu bairro havia três gangues, uma
delas chamada de "renascidos
do inferno". A partir da implantação do CCDS Juvenil, foram
realizadas
reuniões envolvendo os "gangueiros", policiais, delegados
e pais. Firmou-se um pacto pela paz, e os adolescentes passaram a
promover eventos
no CCDS. Assim, a
negociação de conflitos, que passa a ser realizada no âmbito
dos CCDS, faz dessa instituição um "amortecedor da
violência".7
Os
resultados mostram a eficácia do Programa, pois se verifica a
redução da criminalidade: menor incidência de ações contra
o património público (pichações, lâmpadas e telefones
públicos quebrados), regiões que estão há
três anos sem crimes envolvendo mortes, eliminação de gangues,
entre outros. Um
dos líderes de um CCDS situado num bairro com elevado número
de pessoas em situação de risco social
relatou que a região era muito violenta
e que depois da implantação do CCDS o local há três anos não
registrava
homicídios.
O
quadro abaixo demonstra a queda nos índices de criminalidade num
conjunto de 11 municípios cearenses, pertencentes a uma área
circunscrici-onal
da Polícia:
-
Ocorrências1999200020012002Homicídio arma de fogo27241708Roubo a cargas12000702Roubo a pessoas41211813Roubo a carro pagador01000000Armas de fogo apreendidas1413916372Armas de fogo apreendidas1067232635261120Tráfico de drogas11070805
A
partir da implementação do CCDS nesses municípios, em 2002,
percebe-se
uma queda no número de homicídios. O grande número de armas
apreendidas é
atribuído à participação da população, que passou a denunciar
os infratores. Muitos crimes ocorriam na forma de violência
familiar. A atu-ação
do CCDS com as famílias é considerada fundamental para a
diminuição da violência doméstica, principalmente com
relação à mulher.
Extremamente
relevante é o fato de a promoção da cidadania ocorrer também
pelo conhecimento que o CCDS possibilita a respeito do
funcionamento
dos órgãos públicos. Adultos e adolescentes que antes não sabiam
quais
instâncias procurar para exercer sua cidadania, atualmente têm
autonomia
para tomar decisões e ações com resultados diretos voltados para
o bem-estar
social. O CCDS indica para os cidadãos os percursos e
procedimentos
racional-legais necessários para a promoção de seus direitos e
deveres.
Segundo a representante da Diretoria da Cidadania, a população
"não agia
porque não sabia como agir".
Modelos
como o CCDS geram resistências nas polícias (por conta da
tradição
do militarismo assentado na rigidez e na hierarquia). Qualquer
governo
disposto a implementar tal iniciativa deve estar preparado para
essas resistências
e para a pressão por resultados imediatos e espetaculares de
moralização
da polícia e combate ao crime, até por parte da opinião pública.
OS
PONTOS
FORTES
E OS DESAFIOS
DO PROCESSO
DE
CONSTRUÇÃO
DA SEGURANÇA
PÚBLICA
DEMOCRÁTICA
Outros
aspectos positivos do Programa também merecem destaque. Apesar
de o apoio do secretário estadual ser apontado como fator
estratégico para o alcance do Programa, já existe legislação que
garante a existência dos CCDS.
Além disso, as comunidades estão fortemente organizadas, o que
contribui para a continuidade da iniciativa, independentemente de
quem esteja à
frente da Secretaria de Segurança Pública e Defesa da Cidadania.
As
parcerias também são fundamentais, pois ocorrem
verticalmente e horizontalmente.
Nesse sentido, a cooperação dos municípios na promoção de
segurança pública é algo inovador e um ponto estratégico para que
as ações
possam ter mais eficácia.
A
desburocratização
e descentralização das atividades contribuem para o
sucesso do Programa.
A isenção
político-partidária
da proposta é apontada pelos
participantes da iniciativa como ponto fundamental para o êxito
dessa experiência de democracia participativa na gestão da
segurança pública. A disposição
ao diálogo por parte de alguns segmentos das corporações
policiais
se ampliou nos últimos anos.
O
protagonismo de ações de defesa social por
parte dos policiais mostra a mudança de comportamento. A
capilaridade e amplitude das ações de defesa social e número de
beneficiários do programa
também se constituiu como aspecto forte.
Apesar
de grandes avanços, existem grandes dificuldades. O Programa tem
como meta a capacitação técnica de todos os seus conselheiros.
Entretanto,
os recursos destinados diretamente à Diretoria de Cidadania,
oriundas
do orçamento anual da própria Secretaria, somam R$ 80 mil.8
São gastos com
pagamento das despesas das viagens de monitoramento realizadas pela
equipe da Diretoria da Cidadania e com o Encontro Estadual Anual de
Conselheiros.
Os
cidadãos apontam a necessidade de maior investimento material,
por parte do governo estadual, em viaturas e melhoria da
infra-estrutura das delegacias. Algumas cidades reforçam a
importância de aumentar o efetivo
policial. Há necessidade, portanto, de ampliar os recursos para a
prevenção à violência.
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